sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os papéis da humanidade


Tudo são papéis. Se pararmos para pensar, até mesmo nós, nada mais somos do que papéis. Certidão de Nascimento, Carteira de Identidade, Certidão de Casamento, dinheiro, notas fiscais, até o fatídico fim... Certidão de Óbito. Para a humanidade as coisas só têm valor, se estiverem escritas num papel.

Quando nascemos, não passamos de uma "coisa", um corpo, só teremos vida e passaremos a ser importante para a sociedade, se estivermos registrados num papel. A tal Certidão de Nascimento. Depois de grandes, essa Certidão deve ser substituída por uma carteira, e além de papel, passamos a ser números, também.

- Quem é o senhor? - pergunta o gerente do Banco.

- Eu sou o 4055879053! - responde todo animado, por ter conseguido decorar o seu número.

Daí por diante, o número passa a nos acompanhar a vida toda também. De RG, passamos a CPF, Carteira de Habilitação e assim por diante. Tudo são papéis e números. Sempre nessa ordem. O papel é sempre mais importante.

As maiores brigas da humanidade são por causa do papel. Embora ninguém note, o papel é o grande vilão da história. O papel significa poder. Ainda mais se esse papel for "verdinho", tiver estampado o rosto de um dos presidentes americano, estar escrito um número nele. E se chamar DÓLAR. Aí sim. É o caos. País invade país por causa do tal do Dólar, que teima em se fazer de melhor qualidade. Bolsas caem, Dólar sobe, a inflação dispara. O caos está anunciado. Tudo por causa de um papel. O dinheiro. Ou você acha que as grandes civilizações brigariam por pequenos níqueis? As civilizações querem e gostam de papel. Níquel quase não tem valor, papel sim... Papel tem muito valor.

A crise financeira poderia ser muito bem resolvida se os Bancos Centrais resolvessem liberar mais papel. Ou desse mais valor ao níquel que já está em circulação. Mas níquel não... Não dá! Níquel vai contra os princípios.




O casal 9784522 sai do Cartório depois de se casarem. Agora sim, podem se dizer casados. Os 35 anos que viveram juntos sem a Certidão de Casamento e o número do registro não significam nada para as sociedade. Nas rodas de amigos, sempre vinha a pergunta:

- Há quanto tempo vocês estão juntos?

- Estamos casados há 33 anos.

- Hum! Estão juntos há 33 anos.

Juntos, sim... Casados, não. Eles não tem o papel. Agora podem-se dizer casados. Agora a sociedade pode considerá-los um verdadeiro casal. Os verdadeiros casais são aqueles que possuem o papel.



Após uma discussão, o casal resolve se separar e na hora da divisão, Tereza pega para si mais coisas do que Diego.

- Ei! Essa televisão é minha. - diz ele.

- Você tem a nota?

Ele olha em volta, não tinha.

- Então a televisão é minha.

E assim vai. Até mesmo em uma separação, o casal só está separado se houver algum papel atestando. Tudo são papéis.



Quando percebemos, até para morrer decentemente precisamos de um papel. As pessoas precisam confirmar a sua morte. E, essa confirmação só se dá graças a um papel. Você já imaginou se no dia que nascemos, recebemos do tabelião, por engano, ao invés da Certidão de Nascimento uma Certidão de Óbito. Tente se imaginar brigando para confirmar que você está vivo. Que você é uma pessoa que ainda não morreu.


Pois é, o papel tem mais influência na sociedade do que nós. A sociedade não quer pessoas, mas sim, papéis. Mas um dia, eles se darão conta de que papel prejudica o meio ambiente, e com a grande tecnologia que nos engloba, passaremos a não ser mais papéis, mas seremos "chip's". Grandes "chip's" em movimentação para dar vida à sociedade.




Paulo de Oliveira dos Santos.

Espelho


Me olho no espelho
E ainda vejo o passado.
O presente, não é presente
No meu retrato.

Ainda vejo graça
Nas brincadeiras de criança.
Ainda vejo um sonho
Perdido, uma esperança.

Ainda quero deitar-me
No teu colo,
E lá não quero mais te deixar
Nem quando olhar para o espelho.



Paulo de Oliveira dos Santos
Resolvi postar uma poesia, também, escrita por mim. De vez em quando vem, embora eu prefira escrever contos e crônicas.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O processo natural das coisas


Já era noite. Debruçado na janela eu via a bela noite que começava. Há quanto tempo não via o anoitecer. Não que eu estivesse esperando a noite chegar, quando me dei por conta estava ali, debruçado na janela olhando as estrelas que timidamente começavam a aparecer no céu.
Ao longe podia ouvir o barulho dos insetos, fazia muito que não parava para ouvir os grilos. O ar do campo estava me fazendo bem, podia notar a diferença. Estava começando a entender o porquê de algumas pessoas saírem de suas casas, na cidade, para refugiarem-se no campo durante algum tempo. O campo relaxa, tira o estresse.
Não que eu estivesse ali porque queria, mas sim, porque a condição que eu me encontrava me obrigava, digamos, a fugir da civilização. Pois, se eu resolvesse continuar no meu canto, ninguém entenderia bulhufas do que estava acontecendo. Por isso resolvi retirar-me, ir para meio do mato, para a casa de um amigo. Mas primeiro tinha que ter certeza que não apareceria ninguém durante algum tempo.
Desci. Estava com fome, mas sem vontade de fazer nada. Não estava disposto a encarar um fogão e, por azar, no campo não tem “McDonald's”. Seria obrigado a fazer alguma coisa para não morrer de fome. Mas pensando bem seria até bom, pois adiantaria o processo natural das coisas.
Processo natural das coisas. Se tem frase que me irrita é essa. Como posso dizer que minha morte não passa do processo natural das coisas? Como posso dizer que o sofrimento não passa do processo natural das coisas? Tenho certeza que alguém resolveu afirmar isso, sem ter certeza nenhuma, apenas para dar conforto para o resto da humanidade. E com isso, provavelmente, fundar uma religião baseada no processo natural das coisas, pois a morte de Jesus não passou do processo natural das coisas, afinal de contas foi por isso que ele veio à terra.
Sinto muito, mas eu não sou Jesus, nem, muito menos, obrigado a aceitar esse discurso besta sobre o processo natural das coisas. Para mim, o processo natural das coisas é a gente que faz. Ah! Mas estava cansado para debater comigo mesmo. Tinha que fazer alguma coisa para comer, estava ficando cada vez mais debilitado, é o processo natural das coisas.
Comi uma comida ruim mas era o que tinha. Subi novamente para o quarto. Fui tão devagar que demorei um quarto de hora. Meu Deus, estava me arrastando. Percebi que não sou nada além de um corpo que se arrasta pelo chão, pois nem forças tenho para erguer os pés. Estava neste mundo a esmo. Mas é o processo natural das coisas.
Me joguei na cama, deixei o corpo cair. Fiquei inerte olhando para o teto, vendo os buracos nos gomos das tábuas. Quando era criança chamava de tauba e isso não faz muito tempo.
Estava muito cansado, meu corpo começou a deixar de obedecer as ordens da minha mente. Mandava e meu corpo não mais obedecia. Apaguei. Sentia frio, mas não conseguia levantar. Me esforcei por alguns minutos, ou segundos, talvez, mas meu corpo não teve reação nenhuma. Deixei assim mesmo. Nem me preocupei. Será que já era a hora de deixar esse mundo? Se fosse, não passaria do processo natural das coisas.
Paulo de Oliveira dos Santos.